O Autódromo do Estoril foi palco no passado domingo e também na segunda-feira de dois dias de intensa emoção e saudade, transformando-se num ponto de peregrinação para fãs e admiradores de Ayrton Senna. O motivo desta homenagem sentida foi a presença nas boxes do icónico Lotus preto e dourado com o qual o piloto brasileiro conquistou a sua primeira vitória na Fórmula 1, precisamente no circuito português, há quatro décadas. A presença deste monolugar lendário, que não percorreu a pista como inicialmente chegou a estar previsto, devido a um problema mecânico da máquina, proporcionou ainda assim uma ligação palpável com o passado glorioso do automobilismo e a figura inesquecível de Senna.
A vitória de Ayrton Senna no Grande Prémio de Portugal de 1985, a 21 de Abril, marcou o início de uma carreira meteórica e a afirmação de um talento excecional. A corrida disputou-se sob condições climatéricas adversas, com chuva torrencial a testar a perícia dos pilotos. Senna, ao volante do Lotus-Renault, demonstrou uma maestria impressionante no piso molhado, conquistando a pole position com uma vantagem notável e liderando a corrida de ponta a ponta. A sua performance dominante culminou numa vitória incontestável, com mais de um minuto de vantagem sobre o segundo classificado, Michele Alboreto, então na Ferrari.
Este triunfo no Estoril não foi apenas a primeira vitória de Senna na Fórmula 1, mas também a primeira da Lotus desde 1982, representando um momento de renovação para a equipa. A forma como Senna controlou o carro nas difíceis condições da pista valeu-lhe o reconhecimento imediato como um talento especial e prenunciou a sua reputação como um dos maiores pilotos de chuva da história do desporto automóvel. Aquele dia no Estoril ficou gravado na memória dos amantes da Fórmula 1 como a estreia vitoriosa de um futuro tricampeão mundial.
Um dado curioso daquele dia resultou do facto de outro piloto brasileiro ter sido “vencido” pela mesma chuva que não foi problema para Senna. Nélson Piquet, tido então como outro piloto especialista em correr à chuva e que era o bicampeão mundial na época, ao volante de um Brabham, teve uma corrida bastante atribulada. Ele também era conhecido pela sua habilidade na chuva, mas no Estoril em 1985, teve problemas com os pneus e acabou por se ver a braços com vários piões em plena pista em face das dificuldades em dominar o seu carro.



O dado curioso é que, num desses piões, o carro de Piquet ficou parado numa posição perigosa na pista. Os comissários de pista tentaram ajudar Nelsinho a voltar à corrida e empurraram o carro, só que o regulamento da Fórmula 1 proíbe qualquer ajuda externa para um carro em movimento na pista pelo que Piquet acabou por ser desclassificado devido a essa infração.
Este episódio em redor de Nélson Piquet contrastou fortemente com a performance impecável e a vitória de Senna, mostrando as diferentes experiências dos dois grandes pilotos brasileiros naquela corrida histórica. Enquanto Senna brilhava sob a chuva, Piquet lutava e acabou penalizado por uma situação incomum.
Agora, quatro décadas passadas sobre aquele dia chuvoso no Estoril, a exposição do Lotus no mesmo local em que Senna alcançou o seu primeiro triunfo na categoria máxima do automobilismo serviu como um poderoso catalisador de memórias e emoções. Fãs de todas as idades e de diversas nacionalidades, com os portugueses (naturalmente) mas também com os brasileiros em larga maioria, reuniram-se para ver de perto a máquina que impulsionou o início da lenda de Senna na Fórmula 1, partilhando histórias e recordações do piloto.


A atmosfera no Autódromo do Estoril durante estes dois dias, durante os quais acorreram à pista mais de 20 mil pessoas, foi de profunda reverência e celebração da carreira e do legado duradouro de um dos maiores ícones do desporto mundial. Aliás, se o Lotus de Senna não percorreu a pista, nem por isso largas centenas de fãs do piloto brasileira deixaram de percorrer, a pé, o traçado do Autódromo do Estoril, sentindo afinal de uma forma diferente as emoções de um traçado hoje relegado, infelizmente, a um plano secundário no desporto automóvel.
A iniciativa de trazer de volta ao Estoril o Lotus de 1985 proporcionou ainda assim uma oportunidade única para reviver um momento crucial na história da Fórmula 1 e na trajetória de Ayrton Senna. A presença física do carro nas boxes onde outrora foi preparado para a batalha na pista permitiu aos presentes sentir uma ligação mais forte com o passado e homenagear a memória de um piloto que deixou uma marca indelével no automobilismo e no coração de milhões de pessoas em todo o mundo.