Concluídos 21 anos em Portugal com a Renault na condição de líder de vendas no mercado automóvel, fomos ao encontro do administrador delegado da Renault Portugal para, em entrevista para a revista Consilcar Magazine e para o LusoMotores, encontrarmos as razões do sucesso que, de acordo com este responsável, assenta no trabalho e na organização da marca ao longo dos anos.
Fabrice Crevolat, administrador delegado da Renault Portugal, chegou às actuais funções há cerca de ano e meio, após ter passado por outros países como director de marketing, com uma carreira construída nas vendas e no marketing da Renault e a particularidade de, há 23 anos, ter começado a sua actividade em Portugal, então na condição de estagiário. Regressou agora a um mercado que conheceu em condições totalmente distintas, numa altura em que “o mercado era diferente e a posição da Renault não era tão fácil.”
Neste percurso, a Renault, que já então apresentava “uma rede, uma gama e uma organização muito fortes”, acabou por “agarrar” a liderança do mercado, transportando aqueles pontos fortes para os dias de hoje. Assim, quando chegou de novo a Portugal, o agora responsável máximo da Renault Portugal encontrou aquela força afirmada: “É bastante paradoxal dizer isto mas a verdade é que a crise reforçou a Renault, porque ao contrário de outras marcas, a Renault decidiu manter uma presença muito forte em Portugal e isso fez uma enorme diferença.”
“Durante a crise – frisou –, fomos capazes de manter uma rede forte, não houve concessionário Renault que tivesse falido, conseguimos ultrapassar a crise, apoiar e reforçar a rede e preparar a saída da crise. Depois, fomos mais capazes para agarrar o período de crescimento, com uma rede mais forte, uma gama renovada, e isso fez a diferença para a Renault que não só é líder mas que o é de uma forma muito forte!”
– Agora com 21 anos de liderança, torna-se mais difícil manter esse nível de prestação?
– É evidente que se torna mais difícil, também porque durante a crise houve muitas marcas que se foram embora, mas agora que o mercado português volta aos níveis do passado todas as marcas têm objectivos de liderança, querem estar na frente do mercado e a concorrência global no futuro, por muitas razões, vai aumentar.
– Com o mercado a sair da crise, encontramos marcas premium nos lugares de topo, o que não acontece em outros países europeus. Como explica este realidade?
– Essa é outra das particularidades do mercado português que deriva infelizmente do mercado de frotas, algo que digo infelizmente porque o particular, em Portugal, não consegue comprar carros novos. A fiscalidade é muito pesada e o resultado deste facto é que hoje o parque automóvel português é o mais antigo da Europa, exactamente o contrário do que acontecia há 15 ou 20 anos. A fiscalidade e a crise transformou o mercado num mercado de frotas e este tem um comportamento próprio, com as marcas premium assumindo-se como concorrentes muito importantes, se calhar mais fortes do que em outros países.
– Com o ano de 2018 concluído, como é que se prepara já o 22º ano de liderança da Renault?
– Para já dizendo que a liderança não é um objectivo. Não temos como objectivo de ser ‘número 1’. É o resultado do nosso trabalho e do trabalho da rede, mas não é o objectivo, o qual passa, sim, por fazer o melhor possível. Em 2019 vamos ter muitas novidades, muitos produtos, muitos projectos, e temos muito para permitir a manutenção desta liderança, mas não depende só de nós. Sabemos que teremos modelos novos porque vamos avançar para um novo ciclo de renovação da gama, mas também os outros estão a trabalhar e certamente que estão a trabalhar bem. Estamos no início de uma mudança tecnológica brutal, fomos pioneiros na mobilidade eléctrica mas agora estão a chegar ao mercado novos concorrentes, o contexto está a mudar muito e é cada vez mais difícil fazer previsões.
– A rede está preparada para os desafios que se aproximam?
– A Renault sempre considerou a rede como uma componente muito importante do dispositivo global, algo que nem sempre é a abordagem de todas as marcas, e ainda mais aqui em Portugal onde a rede faz parte da estratégia da Renault. Por isso mesmo, já estamos a preparar com eles não só o ano de 2019 mas também tudo aquilo que vai chegar, nomeadamente em termos de tecnologia, porque é muito importante acompanhar a rede de concessionários nesta transição. A mobilidade vai evoluir e temos que acompanhar e preparar a rede para essa evolução. Somos líderes, e não sendo um objectivo é evidente que queremos continuar no top do mercado, mas para conseguir isso será com o envolvimento da rede, sendo que para liderar no futuro será preciso preparar o futuro.
– Perante situações em redor da mobilidade como o “carsharing”, que apontam para mais para a partilha e menos para a posse do automóvel, isso pode levar a um futuro mais complicado...
– Certo, mas é também uma oportunidade pois somos líderes, pessoalmente acho que temos a melhor organização comercial em comparação com os nossos concorrentes, e temos tudo para conseguir preparar o futuro da melhor forma. Temos as tecnologias, é verdade que se fala da questão da posse, mas não vamos passar directamente da posse para o carsharing. Pelo caminho temos o desenvolvimento do renting, temos através da RCI – a nossa entidade financeira – todas as propostas para responder a esta mudança, e depois, se falarmos do futuro no carsharing, a Renault já mostrou ter capacidade de resposta nessa área. Veja-se o que existe em Madrid onde uma parceria entre a Renault e a Ferrovial está a correr muito bem, projectos que poderão crescer e um dia, no futuro, estar presentes não apenas em Madrid mas em outras cidades europeias, nomeadamente em Lisboa.
– Lisboa poderá vir a receber esse tipo de serviço?
– Poderá ser. Nada está previsto mas Lisboa tem todas as condições para acolher um serviço deste tipo e a prova disso é o lançamento já feito pela Peugeot com a emov.
– Para onde caminha a Renault Portugal?
– O caminho é sempre aquele que passa por ser o líder, ainda que isso não signifique ser o número um das vendas mas sim uma liderança na melhor organização, na melhor rede, e no final vender mais carros, fazer mais serviços e ganhar dinheiro, porque hoje em dia, no mundo actual, sem rentabilidade não podemos investir e preparar o futuro. Tudo isso, porém, visa satisfazer o cliente português que possui uma história muito particular com a marca, uma tradição que é quase um dever para nós respeitar. Pessoalmente já sei que não vou ficar aqui durante 30 anos, mas o meu dever no momento em que partir será poder entregar a camisola da Renault a quem me suceder num estado ainda melhor do que quando aqui cheguei.
– Foi esse dever que presidiu à chegada a Portugal da Fundação Renault?
– Também teve a ver com isso. Visto o peso e a história da Renault em Portugal, bem como a sua presença global, com uma fábrica muito importante, a financeira, uma rede de distribuição própria, temos uma presença tão forte que vale a pena sair do “business as usual” e ter um papel social. Num país em que a Renault está tão presente, podemos pensar em fazer muito mais do que apenas vender carros.
O “caso” Ghosn...Detido no Japão (saiu recentemente em liberdade depois de ter pago uma avultada caução junto da Justiça japonesa), acusado de fraude financeira em redor da sua posição de liderança no Grupo Renault Nissan, nomeadamente em relação à actividade da marca nipónica Nissan, Carlos Ghosn, até há pouco o homem forte da estrutura mundial da Renault, foi afastado da liderança das duas marcas e terá fragilizado a realidade do construtor francês. Fabrice Crevolat admite que este caso possa ter repercussões para a realidade da marca gaulesa, mas recusa fazer comentários relativamente ao que desconhece: “Ao meu nível, numa estrutura Renault, não vou comentar aquilo que está muito longe da minha realidade. Não temos muitos elementos para comentar e a única coisa que posso afirmar é que, no dia a dia, nada mudou. Estamos a trabalhar, temos objectivos para atingir, já estamos a preparar 2019, temos um plano de produto com muitas novidades, e é essa a prioridade. Depois, quais serão as eventuais consequência de tudo isso no médio prazo, vamos ver, certos de que hoje em dia tudo muda muito rapidamente. Quem diria há quatro semanas que o presidente Ghosn estaria hoje numa prisão japonesa? Pareceria impossível, mas hoje em dia o impossível torna-se possível e o melhor mesmo é não comentar!” ...e os coletes amarelosEnquanto cidadão francês, natural de Grenoble, e dirigente em Portugal de uma marca francesa, impunha-se ouvir de Fabrice Crevolat a sua opinião sobre a actualidade em França onde se têm sucedido protestos sociais decorrentes do movimento dos coletes amarelos. Também aqui à distância, defende que, “visto de fora, a acção do presidente Macron nos últimos 18 meses foi muito positiva para a imagem da França”, mas prefere não comentar aquilo que diz ser “elementos da política francesa”. “Quem sou eu para comentar estas coisas? Tenho a minha opinião mas guardo-a para mim!” |
entrevista: Jorge Reis
fotos: Carlos Rodrigues