“Tranquilo, tímido, talvez reservado e porventura algo inseguro em certas coisas relacionadas com a maneira de viver”, é o retrato que Pedro Lamy faz de si mesmo fora das pistas. Na rua ainda é reconhecido mas já foi muito mais, algo que afinal nem o incomoda: “Se as pessoas nos reconhecem é sinal de que tivemos êxito no que fizemos e isso é gratificante!”

Em entrevista para a Consilcar Magazine na sua edição do quarto e último trimestre do corrente ano de 2019, publicação editada pela LusoSaber que tem a seu cargo também este website LusoMotores, Pedro Lamy deixou-nos algumas histórias da sua vida dedicada desde há muito às corridas, onde o êxito e os bons resultados prevaleceram quase sempre sobre alguns momentos mais sombrios que, como na vida de qualquer um, também o nosso interlocutor os atravessou, ultrapassando-os com o empenho de quem se habitou às vitórias no momento de ver a bandeira de xadrez.

Agora com 47 anos, Pedro Lamy tem uma vida ligada às corridas, transportando o feito de ter sido um dos poucos portugueses que chegou à Fórmula 1, tida por muitos como a categoria rainha do desporto automóvel. Em quatro anos, de 1993 a 1996, Lamy foi um dos pilotos de elite das pistas mundiais, tendo rodado ao serviço da Lotus e da Minardi, numa carreira que começou muito antes e em duas rodas, tal como nos contou.

“Eu comecei  no mini motocrosse, com seis anos de idade, ali colocado pelo meu pai, que mais tarde me colocou nos karts, quando eu já tinha 13 anos. Eu ia passar de categoria no mini motocrosse mas o filho do meu mecânico, que também corria, teve um acidente que o deixou paraplégico, e isso levou a que o meu pai me retirasse das motos e apostasse nos karts. A família lá em casa achou que era melhor eu parar com o motocrosse e o rumo foi mesmo os karts. Na primeira corrida, mesmo sem grande experiência, fiz logo a pole, as coisas correram bem, andei sempre a lutar pelos lugares da frente nos karts e cheguei mesmo a ser campeão, acabando por avançar para a fórmula Ford onde pude correr ainda com 17 anos, tendo sido campeão nacional logo no meu primeiro ano na fórmula Ford.”

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O facto de Pedro Lamy ter sido campeão logo no primeiro ano de presença na fórmula Ford abriu-lhe outros caminhos com diferentes patrocínios e apoios, o que lhe permitiu dar outros voos: “O Diogo Castro Santos já corria no campeonato europeu da Fórmula Opel Lotus e eu procurei de algum modo seguir o mesmo percurso. Naquela altura estava na escola, à beira dos 18 anos, não era propriamente um brilhante aluno mas havia a perspectiva de tirar um curso, acabando por surgir a necessidade de fazer uma opção difícil. Aos 18 anos acabei o 12º ano em termos de escolaridade e foi por essa altura que decidi avançar para o campeonato da Europa da Fórmula Opel, acabando a faculdade por ficar em ‘stand-by’. Aliás, naquela altura nunca pensei que fosse possível ser profissional de automobilismo mas arriscámos, principalmente o meu pai arriscou, porque é um risco colocar um jovem nos automóveis retirando-o do rumo dito normal da sua formação estudantil.”

Com uma irmã mais velha que por essa altura já estava na faculdade, Pedro Lamy apostou então tudo no automobilismo. No início entrou numa equipa pouco competitiva, e houve que proceder a algumas mudanças, chegando mesmo a equacionar o abandono se chegasse à conclusão que os resultados menos felizes era por sua culpa. Lamy mudou então de equipa e de imediato os resultados começaram a aparecer, ficando claro que as culpas dos resultados mais frágeis até ali conseguidos eram mesmo da equipa que entretanto abandonou.

“A meio da época troquei de equipa e comecei logo a obter bons resultados. Na época seguinte cheguei mesmo a uma das melhores equipas desse campeonato, o europeu de Fórmula Opel, que acompanhava a Fórmula 1 e tinha um certo destaque, por onde já tinham passado outros pilotos como o Hakkinen ou o Barrichello. Ora, eu venci este campeonato em 1991 e a minha carreira internacional começou a brilhar. Fiz então a Fórmula 3 na Alemanha, aconselhado pelo Domingos Piedade, então com o manager do Schumacher, que era o dono da equipa naquela altura, e venci o campeonato alemão. Nas corridas internacionais andei sempre bem – fiquei em segundo em Macau, venci o Marlboro Masters em Zandvoort e acabei por vencer o campeonato no meu primeiro ano de Fórmula 3.”

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Entretanto já com 21 anos, completados no mês de Março, e depois de ter brilhado ainda na Fórmula 3000, Pedro Lamy aproveitou uma possibilidade surgida e ingressou nesse mesmo ano na Fórmula 1, o corolário daquilo que o próprio piloto assume ter sido “uma carreira bastante rápida”. “Hoje em dia já há pilotos bem mais novos a correr mas naquela altura apenas o Barrichello, que entrara um ano antes, tinha entrado mais novo do que eu”, recorda.

Chegar à F1 com 21 anos, e ainda mais vindo de Portugal, era algo que naquela altura, não sendo impossível, era claramente algo difícil, mas Pedro Lamy lembra que então como hoje, o que é difícil mesmo é vencer corridas internacionais: “Hoje em dia é porventura mais difícil conseguir os apoios e tem que haver interesse das equipas grandes para permitir as oportunidades. Ainda assim, eu acho que, mesmo para os pilotos portugueses nos dias de hoje, se eles tiverem, com a idade que eu tinha nessa altura, os resultados que eu tive, acredito que a Fórmula 1 dá hoje mais oportunidades do que dava então. Na minha opinião, a F1 tem hoje em dia um grande olho para os talentos mais jovens e vão dar uma oportunidade a esses pilotos para entrarem na F1. A competição está maior, mas a atenção sobre os talentos está hoje mais forte e evidente. Antigamente era mais complicado.”

Na comparação entre os seus tempos de piloto de Fórmula 1 e os dias de hoje, Pedro Lamy não hesita em considerar que os carros de então eram mais pesados e mais complexos de guiar, e explica: “Não digo que fossem mais fáceis de guiar mas precisavam de ritmo, de mais treino e de alguma experiência. Hoje em dia há pilotos mais ou menos rápidos mas os carros são mais simples de guiar. Não digo com isto que sejam mais fáceis, até porque os carros são muito rápidos e é preciso muito talento.”

Sobre a luta pelos patrocínios, Pedro Lamy considera que o facto de sermos um país pequeno – “Com dez milhões de habitantes não é fácil que uma marca nos apoie e nos leve para uma carreira internacional com grandes patrocínios e isso é a grande dificuldade...” – resulta na grande dificuldade, mas ainda assim assume que teve a sorte de ter apoios: “Se não tivesse os apoios que tive era impossível eu ter chegado tão longe!”

Ao longo da sua carreira, e para além dos patrocinadores que teve ao seu lado, Pedro Lamy pôde contar com alguns apoios individuais importantes, como o de Domingos Piedade, um nome incontornável no automobilismo em Portugal, mas também o apoio do seu pai, afinal aquele que permitiu que tudo tivesse acontecido: “O Domingos foi uma pessoa que me ajudou muito e que só tenho que lhe agradecer, porque realmente foi muito importante para a minha carreira, mas a pessoa que realmente apostou em mim foi o meu pai, em primeiro lugar, e está acima de qualquer outro. O Domingos apareceu quando eu fui campeão europeu na Fórmula Opel Lotus, mas havia já todo um trabalho e um esforço desenvolvido antes pelo meu pai. E a verdade é que apostar num filho no automobilismo é uma roleta russa. É como ir ao casino e investir por lá o dinheiro acreditando que talvez se multiplique. É claro que os resultados foram aparecendo ao longo da minha carreira, tive sorte, mas foi uma sorte construída.”

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Pedro Lamy acabou assim por chegar à Fórmula 1 ainda com 21 anos, em 1993, na Lotus, uma equipa que transportava um nome com história, mas já nessa altura “em decadência”, como nos recorda o nosso interlocutor: “Era um nome muito forte mas em decadência total. Naquela altura foi a oportunidade que tive, tivemos até o apoio do Ayrton Senna que procurou saber quais as intenções da Honda em querer voltar para a Fórmula 1, o que fez com a Lotus, naquilo que foi um erro porque a Lotus estava já decadente e mais acabou mesmo por fechar.”

O aparecimento do nome de Ayrton Senna no diálogo obriga a um novo rumo no diálogo, abordando o cruzamento de Lamy com Senna, algo que começou por força da amizade do campeão brasileiro com Domingos Piedade, mas também pelo gosto do piloto brasileiro por Portugal... “O facto de eu ser um piloto jovem, de algum modo uma promessa enquanto piloto português, porque o Ayrton gostava muito de Portugal, quando estava na Europa morava em Portugal, por tudo isso apoiou-me e tive a oportunidade de ter sido ajudado pelo Ayrton e ter estado próximo dele até à sua partida.”

O acidente de Imola, de que resultou a “partida” de Ayrton Senna, aconteceu em 1994, quando Lamy ainda se encontrava ao serviço da Lotus, umas semanas antes do acidente que também Lamy viria a sofrer na Fórmula 1, dois golpes que afectaram a carreira deste piloto português, mas não a sua confiança, como nos explica: “Foram dois golpes que me afectaram mais em termos de carreira, de oportunidades, mas não de confiança, senão não teria chegado onde cheguei até hoje.”

Pedro Lamy ainda conseguiu pontuar na Fórmula 1, com um ponto ao serviço da Minardi, numa carreira que lhe deixou a felicidade de ter chegado onde chegou, mesmo sem ter conseguido na F1 ter um carro verdadeiramente competitivo. Da Fórmula 1, Lamy saltou para as 24 Hotas de Le Mans – “Cheguei lá, em 1997, e percebi que afinal havia mais corridas do que a F1. Le Mans era realmente espectacular e fiquei mesmo de boca aberta com a dimensão daquela corrida.” – e veio a ser Campeão do Mundo de GT2. Ainda assim, Pedro Lamy não fala em realização no automobilismo, explicando que “um piloto quer sempre mais, o ser humano quer sempre mais!”

“Se dissermos que eu tive bons momentos durante a minha carreira enquanto piloto, sem dúvida que os tive e fui feliz. Se tivesse vencido corridas na Fórmula 1 teria sido mais feliz ainda, mas a verdade é que tive muito bons resultados em outras categorias que me deixaram igualmente muito feliz”, resume.

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Nos últimos anos, nas provas de Resistência, Pedro Lamy voltou a estar no topo, tal como recorda ao longo deste diálogo: “Depois de ter feito várias categorias, tive a grande oportunidade, em 2007, de entrar na Peugeot Sport, uma equipa totalmente profissional, uma estrutura com 200 pessoas, um projecto enorme, algo que não tive na Fórmula 1, e foi realmente a grande experiência na minha carreira. Venci o campeonato depois com a Peugeot, vencemos muitas corridas, mais tarde venci as 24 Horas de Le Mans nos GTs, já depois disso tenho tido grandes resultados, venci o Campeonato do Mundo de GT-AM, em 2017, consegui sempre grandes resultados e sinto-me feliz por tudo isso!”

“Uma das grandes qualidades que eu sempre tive na minha carreira foi o ser mais rápido nas curvas rápidas, e se uma pessoa tem medo, normalmente é nas curvas rápidas que surge o medo e não nas curvas lentas. As curvas lentas podem ser muito difíceis de fazer mas são simples em termos de atrevimento, no acreditar. Já as curvas rápidas são bem mais difíceis por são feitas com o coração, com a ousadia que sempre me marcou, sempre pelo lado positivo mas marcou bastante, podendo dizer que o meu ponto forte na minha carreira foi sempre a forma de fazer as curvas rápidas em que fui sempre o líder.”

A preferência pelas curvas rápidas poderia implicar a experiência de passar por elas muitas vezes, tirando partido do conhecimento acumulado dos traçados, mas Pedro Lamy tem uma convicção diferente: “A experiência também conta, mas não chega. Cada volta é uma volta, cada sensação do carro obriga a uma acção, e quando estamos a entrar em curva é preciso ter a verdadeira sensação da forma como o carro está naquele momento, naquela curva, e isso é algo mais. A experiência é importante, mas o instinto será igualmente determinante!”

“Fora das pistas sou uma pessoa tranquila, tímido, talvez reservado, porventura algo inseguro em certas coisas relacionadas com a maneira de viver, não sei... é sempre difícil falarmos de nós próprios. Na rua ainda sou conhecido hoje em dia mas já fui muito mais, e não me incomoda nada ser menos agora. É claro que na altura em que entrei na F1 era muito conhecido, hoje em dia sou muito menos, mas se as pessoas nos reconhecem é sinal que tivemos êxito naquilo que fizemos e as pessoas conseguem reconhecer. Naturalmente que isso é gratificante!”

Daqui em diante, Pedro Lamy confessa que as expectativas já começam a diminuir. “Continuar a correr é sempre difícil e começa uma fase em que as oportunidades vão diminuir e as coisas boas não vão aparecer muitas. Ora, eu tenho 47 anos e tenho que pensar que mais dia menos dia tenho que parar de correr. Aliás, no automobilismo não há muitas coisas que eu ainda queira conseguir, principalmente porque as coisas que eu tinha que fazer já as fiz, e as que não fiz também já as não irei fazer.”

“No automobilismo, um piloto, quando começa a ficar mais velho, a única coisa que quer continuar a fazer é aquilo que sempre fez, motivo pelo qual parar é coisa que eu não sei o que é. Vou ter que descobrir ainda. De uma forma ou de outra deverei continuar nos automóveis, consciente de que a transição até parar de correr não é fácil. Afinal, desde os meus 18 anos que fiz sempre muitas corridas, muitas viagens, e o ‘parar’ é estranho... é uma transição esquisita.”

É difícil pendurar o capacete. Aliás, é uma perspectiva que me assusta porque estamos a falar de algo que eu não sei o que é. Se calhar vou parar sem dar por isso, até porque a decisão de parar... vou deixando correr, de acordo com as oportunidades. Ter-me aguentado até aos 47 anos a correr profissionalmente não foi fácil.

Olhando para 2020, ainda espero para definir o que irei fazer. Espero fazer as 24 Horas de Daytona, e fazer mais algumas corridas, mas será sempre algo a pensar caso a caso pois não está nada definido.

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“Uma das grandes qualidades que eu sempre tive na minha carreira foi o ser mais rápido nas curvas rápidas, e se uma pessoa tem medo, normalmente é nas curvas rápidas que surge o medo e não nas curvas lentas. As curvas lentas podem ser muito difíceis de fazer mas são simples em termos de atrevimento, no acreditar. Já as curvas rápidas são bem mais difíceis por são feitas com o coração, com a ousadia que sempre me marcou, sempre pelo lado positivo mas marcou bastante, podendo dizer que o meu ponto forte na minha carreira foi sempre a forma de fazer as curvas rápidas em que fui sempre o líder.”

A preferência pelas curvas rápidas poderia implicar a experiência de passar por elas muitas vezes, tirando partido do conhecimento acumulado dos traçados, mas Pedro Lamy tem uma convicção diferente: “A experiência também conta, mas não chega. Cada volta é uma volta, cada sensação do carro obriga a uma acção, e quando estamos a entrar em curva é preciso ter a verdadeira sensação da forma como o carro está naquele momento, naquela curva, e isso é algo mais. A experiência é importante, mas o instinto será igualmente determinante!”

Ao longo da sua carreira, e para além dos patrocinadores que teve ao seu lado, Pedro Lamy pôde contar com alguns apoios individuais importantes, como o de Domingos Piedade, um nome incontornável no automobilismo em Portugal, mas também o apoio do seu pai, afinal aquele que permitiu que tudo tivesse acontecido: “O Domingos foi uma pessoa que me ajudou muito e só tenho que lhe agradecer, mas a pessoa que realmente apostou em mim em primeiro lugar foi o meu pai, e está acima de qualquer outro. O Domingos apareceu quando eu fui campeão europeu na Fórmula Opel Lotus, mas havia já todo um trabalho e um esforço desenvolvido antes pelo meu pai. E a verdade é que apostar num filho no automobilismo é uma roleta russa. É como ir ao casino e investir por lá o dinheiro acreditando que talvez se multiplique.”

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entrevista: Jorge Reis 

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